Não haveria um momento melhor do que este para revelar em letras o desabafo de quem escreve: o instante do estar sozinho, quando a alma se sente à vontade e com vontade de expressar para si mesma o que ela é... Devo reconhecer que não é um encontro tão agradável quanto poderia, mas me liberto das teorias formais ou de qualquer lógica do raciocínio para me aventurar na ousada iniciativa de escrever sobre a solidão.
No momento em que compartilhamos deste elo de comunicação – escritor e leitor – em uma cumplicidade devidamente possível, a própria idéia do sozinho se desfaz. Somos, nos limites desta crônica, parceiros íntimos. Não estamos sós, uma vez que buscamos algo juntos... Talvez o horizonte de um mar poético, talvez o mero desejo de nada fazer e ocupar nosso tempo mais uma vez com o nada. No entanto, creio que essa última pretensão não seja verdadeira ou, inclusive, coerente. O que importa para nós agora é tentarmos compreender as razões pelas quais a sociedade contemporânea sente ojeriza pela solidão.
Em se tratando da Filosofia, a solidão parece ser um tema bastante caro, uma vez que a própria atitude do sábio é tida na esfera do singular. Você deve conhecer ou pelo menos já viu alguma cópia, em algum momento de sua vida, da famosa obra de Rhodin: O Pensador. Trata-se de uma escultura belíssima, em que um homem nu se põe em uma atitude pensante. Por diversas vezes, já me questionei: por que ele não está acompanhado? Será que a companhia do outro anula minha sabedoria? Olhando para Platão, podemos perceber que não. Toda a filosofia platônica, pelo menos no que diz respeito às doutrinas escritas, dá-se em forma de diálogo. Dois seres humanos conversam e, a partir da já discutida maiêutica socrática, dão luz às idéias. E quantas idéias maravilhosas surgem a partir desse contato... Descobertas acerca do cotidiano, o amadurecimento de um casal, o teste dos hormônios, a união em busca de um fim determinado em vista de um bem comum, a simples troca de perguntas e respostas convencionais que, inevitavelmente, legitimam a nossa existência... A sabedoria não consegue ficar presa ao nosso egoísmo, à nossa matéria pensante...
No entanto, não podemos negar que a solidão, o estar só, se é que essa condição é possível, pode nos revelar as cadências dos nossos sentimentos tão intactos e, ao mesmo tempo, tão necessários para que nos compreendamos enquanto pessoas. É na solidão do monge que ele encontra a força para ser testemunho para os outros... É na solidão do bêbado que a reflexão e a constatação de suas verdades se tornam palpáveis... O que seria do bêbado se não fosse a solidão? O que seria da criança se não lhes dessem a oportunidade de estarem sozinhas e descobrirem por si mesmas tantas coisas maravilhosas?
Em uma das viagens de meu ócio, visitei uma cidade com a qual nem simpatizo muito, mas que me lançou em provocações filosóficas muito úteis. Quando fui a Recife no ano de 1999, vivendo as doçuras e travessuras de meus dezesseis anos, dei-me ao luxo de caminhar sozinho pelas praças daquela capital conhecida por sua violência (como também por sua alegria rítmica)... No fim da tarde, quando o sol já despontava e me lembrava que eu teria de voltar para o convento em que estava hospedado, atravessei uma viela próxima à praça e percebi que havia ali algumas prostitutas. Inchado do meu preconceito e com minha miséria pronta a oferecer, baixei os olhos e avancei no passo. Na minha frente, caminhava um homem de meia-idade, também de maneira apressada. Uma das prostitutas que exibiam seus corpos em minúsculos trapos lançou-lhe um “Psiu...”. Instantaneamente, como se já tivesse planejado a resposta, o senhor respondeu-lhe: “Não quero comer você... Eu estou com fome de comida!”. Minha miséria deixou escapar um sorriso, que logo se desfez quando aquela mulher de batom carmim respondeu: “Eu também...”. Parei no tempo, engoli minha mesquinhez e chorei junto a ela. Não pude desapressar os meus passos, mas, em segundos, tornei-me tão só quanto a mulher prostituída. Senti-me prostituto, vivendo de maneira tão agradável, hospedado em um casa religiosa com tantas maravilhas artísticas e repleta de comida. Imaginei a solidão daquela mulher a quem dei o nome de Maria. Como ela dormiu naquela noite?
A solidão pode ser, de fato, uma realidade perturbadora para a nossa alma. Não sabemos até que ponto ela é sadia e a partir de que instante ela nos destrói. Se eu pudesse dizer algo para Maria naquela viagem, diria: “Eu quero estar com você...”. Mas eu também poderia destruir a oportunidade fértil ou não que ela tem para estar consigo mesma. Eu não sou digno da solidão daquela senhora. Mas o que me incomoda é saber que, na maioria das vezes, não somos dignos de estarmos acompanhados. Não reconhecemos o outro, não vemos nele o quanto de nós existe e persiste...
O que fazer, então, quando a solidão chegar? Durma um bom sono... Se a insônia não quiser lhe fazer companhia!
No momento em que compartilhamos deste elo de comunicação – escritor e leitor – em uma cumplicidade devidamente possível, a própria idéia do sozinho se desfaz. Somos, nos limites desta crônica, parceiros íntimos. Não estamos sós, uma vez que buscamos algo juntos... Talvez o horizonte de um mar poético, talvez o mero desejo de nada fazer e ocupar nosso tempo mais uma vez com o nada. No entanto, creio que essa última pretensão não seja verdadeira ou, inclusive, coerente. O que importa para nós agora é tentarmos compreender as razões pelas quais a sociedade contemporânea sente ojeriza pela solidão.
Em se tratando da Filosofia, a solidão parece ser um tema bastante caro, uma vez que a própria atitude do sábio é tida na esfera do singular. Você deve conhecer ou pelo menos já viu alguma cópia, em algum momento de sua vida, da famosa obra de Rhodin: O Pensador. Trata-se de uma escultura belíssima, em que um homem nu se põe em uma atitude pensante. Por diversas vezes, já me questionei: por que ele não está acompanhado? Será que a companhia do outro anula minha sabedoria? Olhando para Platão, podemos perceber que não. Toda a filosofia platônica, pelo menos no que diz respeito às doutrinas escritas, dá-se em forma de diálogo. Dois seres humanos conversam e, a partir da já discutida maiêutica socrática, dão luz às idéias. E quantas idéias maravilhosas surgem a partir desse contato... Descobertas acerca do cotidiano, o amadurecimento de um casal, o teste dos hormônios, a união em busca de um fim determinado em vista de um bem comum, a simples troca de perguntas e respostas convencionais que, inevitavelmente, legitimam a nossa existência... A sabedoria não consegue ficar presa ao nosso egoísmo, à nossa matéria pensante...
No entanto, não podemos negar que a solidão, o estar só, se é que essa condição é possível, pode nos revelar as cadências dos nossos sentimentos tão intactos e, ao mesmo tempo, tão necessários para que nos compreendamos enquanto pessoas. É na solidão do monge que ele encontra a força para ser testemunho para os outros... É na solidão do bêbado que a reflexão e a constatação de suas verdades se tornam palpáveis... O que seria do bêbado se não fosse a solidão? O que seria da criança se não lhes dessem a oportunidade de estarem sozinhas e descobrirem por si mesmas tantas coisas maravilhosas?
Em uma das viagens de meu ócio, visitei uma cidade com a qual nem simpatizo muito, mas que me lançou em provocações filosóficas muito úteis. Quando fui a Recife no ano de 1999, vivendo as doçuras e travessuras de meus dezesseis anos, dei-me ao luxo de caminhar sozinho pelas praças daquela capital conhecida por sua violência (como também por sua alegria rítmica)... No fim da tarde, quando o sol já despontava e me lembrava que eu teria de voltar para o convento em que estava hospedado, atravessei uma viela próxima à praça e percebi que havia ali algumas prostitutas. Inchado do meu preconceito e com minha miséria pronta a oferecer, baixei os olhos e avancei no passo. Na minha frente, caminhava um homem de meia-idade, também de maneira apressada. Uma das prostitutas que exibiam seus corpos em minúsculos trapos lançou-lhe um “Psiu...”. Instantaneamente, como se já tivesse planejado a resposta, o senhor respondeu-lhe: “Não quero comer você... Eu estou com fome de comida!”. Minha miséria deixou escapar um sorriso, que logo se desfez quando aquela mulher de batom carmim respondeu: “Eu também...”. Parei no tempo, engoli minha mesquinhez e chorei junto a ela. Não pude desapressar os meus passos, mas, em segundos, tornei-me tão só quanto a mulher prostituída. Senti-me prostituto, vivendo de maneira tão agradável, hospedado em um casa religiosa com tantas maravilhas artísticas e repleta de comida. Imaginei a solidão daquela mulher a quem dei o nome de Maria. Como ela dormiu naquela noite?
A solidão pode ser, de fato, uma realidade perturbadora para a nossa alma. Não sabemos até que ponto ela é sadia e a partir de que instante ela nos destrói. Se eu pudesse dizer algo para Maria naquela viagem, diria: “Eu quero estar com você...”. Mas eu também poderia destruir a oportunidade fértil ou não que ela tem para estar consigo mesma. Eu não sou digno da solidão daquela senhora. Mas o que me incomoda é saber que, na maioria das vezes, não somos dignos de estarmos acompanhados. Não reconhecemos o outro, não vemos nele o quanto de nós existe e persiste...
O que fazer, então, quando a solidão chegar? Durma um bom sono... Se a insônia não quiser lhe fazer companhia!
Um comentário:
Solidão...
temos que nos acostumar com ela!
faz parte da vida!
XD
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